sábado, 12 de novembro de 2011

Sua antimatéria

Ele levantou e se molhou.
Seu fogo que vem pintando as cores de um mundo adormecido não transpôs as nuvens naquela alvorada e fez de sua luz música para os sonhos despertos de um alguém que já cumprimentara seu silêncio.
Os pássaros cantavam também e a música deles misturava-se com a dos pingos que caiam do lado de fora da janela, num ritmo isento de qualquer influência do modismo implantado pela mídia. E então dançaram meus pensamentos, empurrando o cobertor que já havia se colorido de amarelo sob a incidência daquela manhã chuvosa.
Vestia um pano velho e os sorrisos irrigados pela chuva de léxicos que desaguou enquanto um dos sonhos que minha cama cria para mim abrigava-me da noite.
No meu quarto haviam duas janelas e numa delas eu guardava um poeta e sua chuva de palavras onde banhavam-se minhas esperanças secretas, dançando no ritmo mudo que ele compunha e assoprava. Era matéria desmaterializada e talvez antimatéria ao mesmo tempo. Era sua coleção de dígitos que desapareciam após um clique num dos pequenos botões que serviam como parapeito da sua janelinha e apareciam na minha janelinha, sendo então matéria desmaterializada e materializada através dos muitos quilômetros de distância, sem confessar as vias por onde trafegavam. Chegavam sem aviso prévio, entravam pela minha janela anunciando-se com um “bipe” e tornavam-se então a antimatéria, que consumia toda a atenção a sua volta e o oxigênio que não podia mais ser tragado pelas minhas narinas.

E então a luz do sol continha-se entre meus dentes, exibindo-se naquela manhã onde apesar de o sistema vigente ter me liberado dos compromissos matinais, meu relógio orgânico despertava-me no mesmo horário. Os sonhos de ontem já estavam espalhados pelos tacos de madeira do chão do meu quarto e amaciavam minha caminhada até a pia onde um beijo refrescante me aguardava nas cerdas da minha escova. Cumprimentei a menina que estava lá a me encarar com seu sorriso mudo e viajei por um instante nas ondas que se faziam nas pontas de seu cabelo recusando-se à doutrinação de qualquer pente. Ela tinha olhos pequenos, mas neles cabiam tudo o que via. Então seu tamanho não era medido pelas dimensões do espelho e sim pelo infinito atrás dos seus olhos.
Sorri de volta para ela e comecei meu dia molhando os pés no dissoluto das nuvens que uma amiga me encorajou a postar e deixando que outras molhassem os entes além da minha janela...


;)

Um comentário:

  1. Léxico, este jogo de infinitas palavras que desencadeiam profundas sensações...
    E pode ter certeza que não há melodia mais bela e profunda do que a chuva, esta que está a parte de todas as melodias da moda...
    Propício para um dia que nasce em pingos d´´agua.
    Abraços, Corujinha... rsrsrsr

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