É sábado a noite, por volta de dez horas... Com vinte e dois anos e uma lua gorda iluminando várias possibilidades, eu deveria estar pelas ruas compartilhando calor humano... Mas eis-me de camiseta e meias, despenteada, debruçada na cama em um quarto pequeno de uma casa no meio do mato! Eis-me divertida na companhia de uma caneta, um caderno e o vento que faz ranger a dobradiça velha da janela que deixei aberta para que a lua pudesse me observar.
Ouço-o brincar com a folhagem, empurrar a janela... vejo que ele se diverte com a simplicidade de ser vento... E vejo, enquanto isso, que eu me divirto também com a complexidade de ser gente...
Acabei de deixar meus amigos em suas casas, após um breve sequestro para assistirmos um pôr-do-sol do ponto mais alto da cidade.
Convidei um segredo e corremos juntos quando uma força estranha me expeliu do cume da montanha, estrada a baixo...
É aquela vontade de perseguir o sol quando ele ameaça se esconder atrás do horizonte... a vontade de abandonar as sandálias e correr mais rápido ainda, como um grão de areia ao vento, como raio de luz, como parte do poente que suplica para não ser deixado ali.
Saí com meu vestido céu de nuvem e dancei descalça no barro para tentar chamar a atenção das transeuntes do azul, mas elas continuavam a passear indiferentes à menina maluca explodindo de energia no chão...
Daquele lado as nuvens eram claras, mas migrando o olhar um pouco para a esquerda do poente, atravessando a pequena cidade que podia ser vista inteira daquele ponto e chegando às montanhas do outro lado do vale, uma tempestade azulada ameaçava molhar as casas e assim explodir sobre nossas cabeças, violentamente. Raios chicoteavam os corações que temiam a força incontrolável da natureza e desejavam despedir-se da montanha. A menina ria e seu coração ansiava pela adrenalina que a tormenta despejava nele... Alguns precisam de drogas para liberar emoções que desaprendemos a criar sóbrios. Ri dos meus amigos e disse pra trocarem uma cápsula de pó branco pela poeira que uma tempestade levanta... O risco de morte é igual, e se for realmente pra escolher, não parece mais interessante morrer eletrocutada por raios de trovão?rs... Eles riram também, e ficamos, sóbrios.
E então ele derramava os últimos goles daquele laranja-dourado que não existe em nenhuma paleta de cores dos artistas de carne, quando ela apareceu no lado oposto, assumindo o céu que agora se renderia ao seu reinado.
Os amigos que pisavam no chão curvaram-se embaixo daquele romance exposto no lençol multicolorido e abrigaram, por um momento, o sol e a lua na palma de suas mãos.
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