Acordei e no primeiro piscar das pálpebras saboreei a carta de alforria
que pousara em minhas mãos após a última noite de avaliações institucionais das
releituras estudantis do mundo. Então bebi do sol, me vesti de nuvens,
descartei planos para o almoço, esqueci o celular, o relógio, os livros e as
listras das minhas meias sujas, jogadas no canto do quarto. Esqueci do que me
ensinaram a nunca deixar de lembrar, sorri sem confessar meus dentes e beijei a sagrada dose de café que me espera todas as manhãs no mesmo buteco.
Naveguei pelos ribeirões de piche, pegando carona nos rolamentos
mecânicos dos navios que percorrem as praias intraurbanas em todas as direções,
escancarando a preponderância econômica nas edificações das suas areias. Pelas
janelas avistava a economia administrativa das minhas próprias poesias, que
pelos meus olhos colhe as palavras no sistema de engrenagens orgânicas impulsionado
por um vento que ignora a meteorologia e passa a assoprar pelos interesses sobrenaturais
do capital. O papel para transcrevê-la é pautado pelas regras desse mesmo
sistema que me ensinou a simplificar o mundo entre o belo e o feio e poetizar
rapidamente apenas o que é belo. E já que não encontro a saída de emergência
dessa grande nave que me carrega atrelada a essa transvaloração dos valores, peço
parada ao motorista e salto para cima de um muro de onde posso admirar os
brotos das contra-ideologias anti-hegemônicas plantados entre as árvores e nascentes, pelas mãos
dos duendes de jardim que me sorriem embarreados e cheirando a protetor solar.
Transponho o muro e me abrigo entre as cortinas do camarim que me
permite assumir as vestes desgarradas de um modismo contemporâneo e me traz um
novo sorriso ao interpretar o meu papel social favorito. Aceito a cobertura do
creme vendido sob a promessa de proteção anti-raios violeta e finalmente despejo-me
junto à base branca que se mistura aos pigmentos para conceber as cores
aspiradas pelo plano da imaginação.
O sol vem prometendo seu calor e a luz que vence a delicadeza das nuvens,
condescendido pelos miseráveis espectadores que estarão de mãos dadas naquele
refúgio intra-urbano até o poente.
Atrás dos pincéis e de cada pingo de cor pela pele e roupa, a menina e
seus segredos brincam entre girassóis tão solitários e sorridentes quanto ela.