domingo, 30 de outubro de 2011

Paixão dominical

As pálpebras brigaram com a alvorada, pelo direito de continuar sonhando naquela manhã nublada, enquanto os lençóis suplicavam para que a pele permanecesse envolta pelo casulo de algodão. A briga perdurou metade da manhã, quando os lábios ansiaram pelo beijo do café guardado numa garrafa.
Mas a garrafa chorou novamente, molhando o copo com apenas algumas gotas de seu sofrido néctar. A faca machucou a pele do mamão recém apanhado, que foi palco para a arte do amadurecer das frutas e repousou ao lado deste que aguardaria um outro desjejum.
O vento me cumprimenta, refrescando o corpo a escrever, enquanto faz os objetos dançarem ao seu ritmo. Da rede, meu olhar percorre distâncias até o cume de uma das montanhas que cercam o vale, onde nuvens de chumbo derramam sua sombra.
Ofereceria ao Sol preguiçoso de hoje um gole do elixir capaz de roubar qualquer timidez na rotina. Mas os tons acinzentados que se espalham pela vista realçam as cores dos caminhos de meus pensamentos, que voltam lentamente do diálogo com Heidegger, no qual se dispuseram a apaixonar-se nessa manhã dominical.

sábado, 29 de outubro de 2011

Um dia de refúgio

Desconexa das engrenagens orgânicas que se acostumaram a oferecer-me e roubar meu alimento, escorreguei para um refúgio onde acordes podiam percorrer a paisagem sem cercas. Da rede, um copo de café fazia-me companhia durante a espera da concentração que ainda boiava pela represa onde havia deixado o calor horas atrás.
A montanha oeste já havia devorado o Sol e eu me instalei exatamente abaixo dum céu opaco, sobre um chão molhado que acusava os beijos da chuva. Às margens de um espelho líquido, sapos se aproximavam boiando e me fazendo pensar que apreciavam a música nascida no encontro dos meus dedos com as cordas de nylon do violão.
Era apenas eu ali de novo, escutando e ouvindo, vendo e aceitando estar doente por enxergar. 

E os poentes...



...vão ficando para trás (...)



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um banco embaixo de uma árvore

Pois aquele era só um banco, do qual sentada, eu continha meu desejo de enfiar um palito nas nuvens e trazer para mim aquele apetitoso algodão doce.
Mais uma porção de horas que guardei na minha coleção, cedendo algumas para que o tempo incidisse sobre a tarde, derretesse-a em ouro líquido e a fizesse escorrer pelos prédios.
Eu, imersa naquela subjetividade temporal observava as pessoas, sentia calor, contava formigas e namorava o céu...
...de um banco embaixo de uma árvore (...)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Numa tal esquina

Saltei da cama e troquei a lua por um beijo que trombou comigo numa esquina da rotina. O gosto era de café e o sorriso que despontava entre duas pontas cabia no meu bolso.

Agora, sentada enquanto me movo, rio pelo atraso do segundo ônibus matutino, sentindo na boca a mistura de gostos e carregando as sobras de um ato improvisado.

Um mundo para alguém

O mundo não são os passos calçados que pisam sobre a calçada, mas as pedras que compões as passarelas.
O mundo não são os modelos a desfilar no fio da modernidade, mas as árvores, casas dos pássaro,s que às vezes as trocam por pousos em fios.
O mundo são os desvios de rota, que desenham os desencontros,
A música que rege os descompassos e os beijos trocados, ou simplesmente guardados.
O mundo se move e ao nosso redor dançam nossas sombras sem ensaios, na mistura dos ritmos criados pelo Sol e pela Lua.
Dançam também os lábios, na coreografia de alguma intenção, sob a vigília dessas duas esferas luminosas, que nessa manha assistem-nos dividindo lugares na platéia.



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Paradas

Parei para admirar o monumento que armazena telégrafos de papel e imaginei quantas seriam as expectativas ali aprisionadas.
Parei para sobrevoar as vitrines de um sebo e calculei quantas horas meu relógio poderia ceder à dança com as palavras que ali aguardavam o convite das ires.
Parei para contemplar o sol vespertino e enquanto ele mudava a cor do meu cabelo e fazia espelho do mel dos meus olhos.
Parei ao me movimentar com alguns pares de rodas que transportava a sensibilidade contida no coletivo de engrenagens orgânicas.
E em meio às minhas paradas fugazes, pararam para me observar enquanto nuvens viajavam indiferentes aos movimentos aqui no chão, sabendo que nunca voltariam a ocupar o mesmo lugar...

Sua parede

A garrafa de café chorou em minhas mãos, e suas lágrimas escassas pediram abrigo na saliva.
Os olhos pediam abrigo no céu e para os ouvidos bastava o silêncio, onde caberia a conversa de um casal de papagaios à porta da cozinha.

Se me beijasse agora, roubaria de min o mel que lambuza o pão que levo à boca.
Mas seus lábios estão além do apelo dos beijos.
E seus olhos desviam das poesias que escrevo para você.
Menino, hoje não sentei no gramado, pois as nuvens derreteram-se para beijar o chão. Pelas ruas o rastro daquele encontro imaculado, que meus sapatos não calçaram suas asas para que fosse percorrido.
A mim restou apenas a janela, por onde chegou o poente para finalmente confessar porque me escraviza em sua paixão.
Aceitei a chaga sussurrada ao pé do ouvido, e num riso derramei-a num papel que dobrei e guardei no bolso.
Ah menino! Eu queria por hoje poder não querer nada!
Queria abandonar a lei que rege os pores-do-sol e as fantasias de menina...
Deixar de ser matéria!
Não ser mais coisa alguma.
E brincaria de estar nas paredes que sustentam o pequeno mundo do seu quarto...

sábado, 22 de outubro de 2011

Quanto cabe numa insônia?

Já havia aberto a janela para a insônia e me encontrava fitando algum ponto no cobertor negro-alaranjado que se estendia sobre as casas da cidade.
Ansiosa, esperava talvez a chuva pra preencher com sua música o silêncio que ecoava no vazio de meu ser.
Desejava que as nuvens derretessem para roubar a monotonia daquele vácuo que namorava com o meu pela janela.
Em ambos não brilhava m estrelas, então não entendia como a lua havia sorrido antes de eu me deitar.
A noite prosseguia quente, ilesa ao transcorrer dos minutos que também não se importavam com o descaso daquela que deixava claro que abraçaria o globo até ser expulsa pelo sol.
E me restava apenas esperar por aquele sol, remoendo segredos que alimentavam a insonia que se abateu sobre uma menina cansada.

Mas o cansaço é sempre menor que o sonho,
e o sonho era bom demais para que se perdesse no fechar das pálpebras que separaria a  menina da obsessão pelos números que se sobrepunham e escapavam do relógio.

Bem-te-vi

Hoje quem me acordou foi aquele bem-te-vi, que piou uma longa e única vez e passou a me olhar pousado na janela. Respondi-lhe e o vi voar, porém entreguei-me novamente aos sonhos para ser novamente despertado pelo bipe de uma mensagem.
Estou às margens da despedida da minha convalescença e me vejo distante de onde me achava quando caí daquele degrau disfarçado na minha rotina.

Caminhei vestida pela subjetividade, durante as semanas em que estive acorrentada aos meus lençóis. A subjetividade também vestiu o cenário dessa caminhada, que posso dividir no diálogo mudo entre o léxico e a íres.


(...) Segunda-feira, com os dois pés no chão, sairei para o trabalho levando na bolsa a paixão pela poesia que brota da destruição do que nos ensinaram a chamar de realidade. A paixão pela possibilidade da construção partindo de um novo ponto de vista ou da cegueira da visão -tanto faz, é tudo subjetivo mesmo.
Acho que tenho enlouquecido, mas não consigo desfazer esse sorriso no meu rosto.
Não consigo diminuir meu prazer por acordar, abrir os olhos e enxergar algo em que não acredito.
Estar feliz por não acreditar em nada do que vejo.
Por contemplar o caminho e conversar com bem-te-vis.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os acordes delas

O violão apoiou seu braço no parapeito da janela e sorriu ao ver o quarto ser preenchido pela alegria das vozes que dispensava os acordes.
A Andorinha e a Borboleta escorregaram junto aos raios solares que chegavam para participar da nossa festa, mas quando a lua bateu à janela, beijei a cama sem muitas idéias.
Nem a luz azulada que cobria os lençóis nem a canção dos sonhos da Borboleta que repousava ao meu lado pintavam a ponta do sorriso que faltou em meu rosto, quando aquele brilho se apagou sem resposta.
O silêncio daquela espera secreta era meu mártir e meu prazer, era a nave que me carregava bem perto da lua e transformava as lágrimas secas em prata líquida para lavar meu rosto.
O conforto vestia a mim mas não era meu; ele vinha do descuido de duas meninas que se renderam ao cansaço de uma euforia vespertina e balançavam-se em seus sonhos.
Eu optava por sonhar acordada, poetizando com minha angústia e minha felicidade enquanto era assoprada pela tempestade que nascia do ventilador.

Às minhas meninas.