domingo, 22 de janeiro de 2012

Chuva de verão

Sentei atrás das flores que, serenas, observavam a chuva beijar o quintal.
Atrás de meus olhos sentou-se a lembrança da poeira que o ventilador assoprou, da morte que ela cumprimentou e adiou e da cama de um alguém onde caí mais uma vez.
Sim, estivemos à espera da torta de queijo no sentido literal, servindo seus pedaços de pretexto às quatro e meia da manhã, em forma de sobremesa que complementa o desejo de esperar um pouco mais.

Cerrava e abria as pálpebras, testando minhas realidade e ficção. Me via nas gotas de suor que transformavam suas costas em diamante e depois escorregavam pela cachoeira seca dos olhos duma alcoviteira que enterra sua melhor amiga.
Liquefiz para solidificar e não chorar por ela.
Solidifiquei para armar meus lábios e sorrir para você.

E sento atrás das flores, repassando idéias, observando o tempo, saudando os amigos, almejando aromas e contabilizando minutos, depois de uma chuva de verão...

domingo, 15 de janeiro de 2012

à.

Queria ser carinho, acidental ou à convite, em qualquer mão capaz de alcançar tua pele
Ou então balbúcia, que se fizesse ouvir por filosofia ou retórica boêmia te envolvendo mesmo que por educação
Queria ser corda de violão, baqueta, vulneráveis aos seus dedos e abandonados pelo descaso do final da noite que você descarta
Poderia ser o banco da praça que te acolhe, um vento à cumprimentá-lo ou uma estrela com a qual você conversa da laje
Poderia ser parede do teu quarto, lençol, papel, teu garfo...
Poderia ser seu shampoo, a escova de dente, os dentes da chave, a chave pra qualquer porta emperrada
Poderia ser passarinho, fada, e pousar no parapeito da janela que se abre para um céu de concreto


Mas resumo-me à insignificância de ser apenas alguém que poetiza suas vontades, para torná-las suportáveis, entendendo-as como vontades apenas, aceitando-as amargas ao descerem goela abaixo, e engolindo-as mesmo assim...

Pois eis que estou em mão nenhuma, não tenho boca. Meu corpo não permite música, não se desmaterializa, nem emana luz imprópria de astro. Não sou cosmético, utensílio, envólucro. Não tenho asa, tampouco fantasia.
Só lhe respondo ao acaso, quando você fecha os olhos e me chama na inconsciência dos nossos sonhos em comum.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Dread de laranja

Mergulhei num copo de suco de laranja, quando a fruta das mãos de uma pequena incerteza escorregou, num ato improvisado.

Alguém bagunçou meu cabelo, dedilhando-o como nylon de violão.
E eu permiti ser silêncio àqueles dedos que sincronizavam sua música às batidas do meu coração.
Fui partitura em branco, acomodada no parapeito de um conflito, observando a desarmonia daquela vontade que deixei na cama com um livro... observando o violeiro e o meu violão.
Então liquifiz uma ironia sorridente, para bebê-la junto ao veneno que exprimimos no abandono de uma razão, que talvez nunca tenha chegado a ser mais que uma intenção de racionalizar ou uma fantasia de moral tecida pela culpa da amoralidade.
Enfim, já não havia mais silêncio como qual eu pudesse me vestir, restando à menina que cedeu aos seus impulsos gemer acordes entre os óculos de grandes lentes e um ventilador; gemendo chuva pra ser os pingos que regavam uma valsa sem ensaio, do lado de fora da janela.

Há muito que me esquecia de sentir prazer ao revisar a lista de descompassos percorridos por um dia.
Há muito que não me agradava ver o sorriso da insanidade posando ao meu lado na coleção de memórias congeladas.
Mas hoje e, talvez somente hoje, eu beijei esse prazer antes de adormecer...

...e se tenho alguma tristeza em mim, é por me lembrar que cultivei o seu oposto e fui feliz.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Um beijo tempestuoso

É sábado a noite, por volta de dez horas... Com vinte e dois anos e uma lua gorda iluminando várias possibilidades, eu deveria estar pelas ruas compartilhando calor humano... Mas eis-me de camiseta e meias, despenteada, debruçada na cama em um quarto pequeno de uma casa no meio do mato! Eis-me divertida na companhia de uma caneta, um caderno e o vento que faz ranger a dobradiça velha da janela que deixei aberta para que a lua pudesse me observar.
Ouço-o brincar com a folhagem, empurrar a janela... vejo que ele se diverte com a simplicidade de ser vento... E vejo, enquanto isso, que eu me divirto também com a complexidade de ser gente...
Acabei de deixar meus amigos em suas casas, após um breve sequestro para assistirmos um pôr-do-sol do ponto mais alto da cidade.
Convidei um segredo e corremos juntos quando uma força estranha me expeliu do cume da montanha, estrada a baixo...
É aquela vontade de perseguir o sol quando ele ameaça se esconder atrás do horizonte... a vontade de abandonar as sandálias e correr mais rápido ainda, como um grão de areia ao vento, como raio de luz, como parte do poente que suplica para não ser deixado ali.
Saí com meu vestido céu de nuvem e dancei descalça no barro para tentar chamar a atenção das transeuntes do azul, mas elas continuavam a passear indiferentes à menina maluca explodindo de energia no chão...

Daquele lado as nuvens eram claras, mas migrando o olhar um pouco para a esquerda do poente, atravessando a pequena cidade que podia ser vista inteira daquele ponto e chegando às montanhas do outro lado do vale, uma tempestade azulada ameaçava molhar as casas e assim explodir sobre nossas cabeças, violentamente. Raios chicoteavam os corações que temiam a força incontrolável da natureza e desejavam despedir-se da montanha. A menina ria e seu coração ansiava pela adrenalina que a tormenta despejava nele... Alguns precisam de drogas para liberar emoções que desaprendemos a criar sóbrios. Ri dos meus amigos e disse pra trocarem uma cápsula de pó branco pela poeira que uma tempestade levanta... O risco de morte é igual, e se for realmente pra escolher, não parece mais interessante morrer eletrocutada por raios de trovão?rs... Eles riram também, e ficamos, sóbrios.
E então ele derramava os últimos goles daquele laranja-dourado que não existe em nenhuma paleta de cores dos artistas de carne, quando ela apareceu no lado oposto, assumindo o céu que agora se renderia ao seu reinado.


Os amigos que pisavam no chão curvaram-se embaixo daquele romance exposto no lençol multicolorido e abrigaram, por um momento, o sol e a lua na palma de suas mãos.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Strange days...

A solidão nos faz parecer tão idiotas.. e nossa idiotice se torna tão poética!
Mas a poesia ao se ver solitária se transforma em patética.
E ser patético pra um poeta é nada mais do ser inocente...
Mas hoje eu nego a inocência,
e assumo o papel de idiota.

...se a vida é uma bosta,
eu cago poesia!

"pro monte"

Esperando pelo sol...

Espero pelo sol que insiste em se esconder de mim...
E se houvesse alguém a me esperar, eu chegaria antes do sol
Para que as esperas se somassem num grito pela luz que se esqueceu de lhes iluminar
E ao escutar esse grito, a luz viesse, apenas para estar de passagem
E quando fosse embora não fizesse falta.
Porque alguém chegou primeiro
E roubou o escuro.
...
Por mais luz que haja no céu,
meu teto permanece sem cor.
Ao meu lado?
Ainda sorri a solidão...