quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Mexendo ovos

Leu e releu todas as entrelinhas no tempo em que fingiu esquecer o celular calado em cima da cômoda
Pois ouviu sinceridade quando ele falou em não querer machucar
Hipotetizou o que pôde no caderno sobre a mesa
Espremeu aquelas frases com limão na lata de cerveja
E bebeu
Porque tinha que se preocupar com a racionalização da dispensa
E com o peso do botijão de gás
Como sempre teve medo de dormir vazia quando a madrugada lhe devolvesse do bar
E então lembrou de um amigo que divagou sobre o conceito de controlar
E percebeu, estranha e confortadoramente, que estava no controle
Pois havia paz em seu coração acelerado
Mesmo que o calendário risse e cuspisse nela
e que a ferida na perna latejasse pela segunda quinzena seguida
Respirou, tomou outro trago
E decidiu mexer os ovos

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Ontem a noite

Usaram meu nome
E usaram meu corpo
Justo eu, que negligenciei o tempo de meu uso
que dispensei a companhia das meninas mais bonitas da cidade pra vestir meu uniforme preto, pra vestir o sono da cidade, pra vestir renda azul e escrever, pra nem me vestir
e viver nua e intensa, uma vida só
de uma só vez
Curta a ponto de caber no bolso de qualquer um...
De caber no seu sem saber sair
De na verdade apenas fingir que caibo
evitando os impactos dos passos
e mesmo assim me permitir ser chacoalhada
Na noite em que decido dormir

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Elas não coçam mais

Depois de sete horas as pernas bambearam,
e tive medo de cair na rua.
Mas pior que o medo de cair foi o medo de ser confundida com o chão;
de ser o próprio chão
de não ser nada
de nem ser.

Não tenho escrito,
ou comido,
ou amado.
Leio, cozinho e me divirto administrando minhas frustrações.
Elas não coçam mais...

Troquei os sonhos pelo vento com quem danço na rua onde eu moro e trabalho e há muito tempo decidi que as lágrimas só seriam úteis se pudessem limpar a casa.

Tenho gostado de viver,
preparada para uma interrupção.